quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Duas caixas de bombons e um pedido de desculpas resolvem ação por danos morais em Pelotas

História curiosa envolveu microempresária que vende salgados e funcionários de uma loja de eletrônicos da cidade do sul gaúcho.

O juridiquês deixa ainda mais curioso o termo da audiência cível realizada sexta-feira (10), em Pelotas: "Os mediandos acordaram no sentido de encerrar o litígio com o oferecimento de duas caixas de bombons, uma para a autora e outra para o seu procurador, com pedido de desculpas independentemente do reconhecimento de culpa, ficando disponíveis, nesta data para retirada na loja".
A história por trás da decisão inusitada do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania começou há cerca de um ano, quando a microempresária Maria de Lourdes Furtado — segundo ela mesma, mais conhecida no calçadão de Pelotas como Alemoa, Xuxa ou Ana Maria Braga, agora que cortou o cabelo — entrou em uma loja de eletrônicos e escorou a bandeja dos salgados que vende aos transeuntes do Centro no balcão de celulares. A loja pediu para não ser identificada, bem como seus dois funcionários. A bandeja, segundo Maria de Lourdes, foi escorada ali para cobrar a conta mensal dos funcionários em seu caderno de "pendura". Repreendida pelo gerente da loja, ela prontamente se ofendeu.
Aqui, segundo os representantes da loja, aconteceu um mal-entendido. Maria de Lourdes entendeu que fora proibida de vender seus salgados aos funcionários e de trabalhar em frente à loja. A loja nega. Diz que a determinação era apenas que não acontecessem vendas dentro das dependências. A microempresária também interpretou o suposto veto ao seu trabalho como uma determinação de outro funcionário, o gerente-regional da loja.
Horas depois, ainda furiosa, Maria de Lourdes cruzou com um conhecido, o advogado Róger Recart Tomaz:
— O que aconteceu, Alemoa?
— Nada, nada.
— Como nada? Tu está com o queixo roxo e tremendo de braba. O que aconteceu?
Maria de Lourdes contou sua versão da briga, e Róger ofereceu ajuda para entrar na Justiça. Questionado sobre quanto cobraria, respondeu que seria 20% do valor de uma eventual indenização.
— Te dou 40%. Não é pelo dinheiro _ respondeu a microempresária.
Entrariam com um processo pedindo R$ 7 mil de indenização por danos morais. Enquanto isso, Maria de Lourdes cortou relações com o gerente-regional. Deixaram até de se cumprimentar na rua. Com o orgulho ferido, ela também abandonou o ponto de vendas. A mágoa acumulada fez com que a audiência de conciliação, pedida pela Justiça e ocorrida na sexta-feira, durasse mais de duas horas.
— Quando a audiência começou, percebi que ela estava com um ódio mortal de mim. Pô, e eu também estava me sentindo meio injustiçado com aquele tratamento. Mas tentei falar, com jeito, que não havia sido uma determinação minha. Era uma norma da empresa, e o nosso gerente apenas cumpriu. Mas também procurei esclarecer que não havia cabimento na ação.
Nós não proibimos ela de vender do lado de fora nem aos funcionários. Sequer temos esse poder — conta o gerente-regional.

"Gostaria que eles trabalhassem como garis por alguns dias. Nada contra os garis. Só para eles saberem como é trabalhar na rua. Como você é tratado por pessoas quando elas se acham melhores do que tu". MARIA DE LOURDES FURTADO, Microempresária

Em determinado momento, os mediadores pediram para ficar a sós com Maria de Lourdes e seu advogado. Como ela insistia que o valor da indenização não era o xis da questão, os mediadores perguntaram que tipo de compensação de parte dos funcionários da loja a deixaria satisfeita.
— Respondi que gostaria que eles trabalhassem como garis por alguns dias. Nada contra os garis. Só para eles saberem como é trabalhar na rua. Como você é tratado por pessoas quando elas se acham melhores do que tu — conta a microempresária.
Os mediadores responderam que aquilo não seria possível, mas que ela atentasse para o fato de que a audiência já estava servindo para que os funcionários se dessem conta de que poderiam tê-la tratado, no mínimo, com mais gentileza. Um deles, o gerente que a abordara, estava segurando as lágrimas do lado de fora da sala. Segundo seu advogado, Maria de Lourdes reparou nos olhos do rapaz, depois, e o coração amoleceu um pouco. O gesto final veio do gerente-regional.
— Olha, Alemoa. Se eu te ofendi sem querer, não te peço nem desculpas, te peço perdão mesmo — disse.
Ok, mágoa dissipada e mal-entendido desfeito. Mas e os honorários do advogado, como ficariam? Era preciso recompensá-lo pelo trabalho. Róger disse que abria mão de pagamento, mas recomendava um gesto simbólico. Um buquê de rosas, talvez. O gerente-regional sugeriu, então, uma caixa de bombons para cada um. O advogado topou de pronto. A microempresária, com algumas restrições.
—Não me venha com bombom vagabundo. E eu vou lá na loja buscar ainda hoje — decretou.
De fato, a Alemoa apareceria na loja duas horas depois, quando os bombons ainda estavam a caminho. No final da audiência, o gerente-regional pediu um abraço e que constasse uma observação na ata da audiência: "Ademais, a autora se compromete a seguir comercializando seus produtos na frente da referida loja, respeitando as normas desta".
— Eu não queria ficar mais um ano sem os salgados e o café dela. Que, de fato, são muito bons — conta.

Fonte: Matéria do Jornal Zero Hora, publicada em 11/08/2018.

Endereço do CEJUSC: Foro da Comarca de Pelotas, RS.
Avenida Ferreira Viana, n.º 1134, sala 411, 4.º andar, Pelotas, RS, CEP 96085.000.
Atendimento ao público: de segundas a sextas-feiras, das 9h às 18h.
Blog: conciliacaopelotas.blogspot.com
Fone: (53) 32794900, r. 1410.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário