quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Deveres fundamentais: um resgate impositivo!


Marcelo Malizia Cabral, Juiz de Direito Coordenador da Central de Conciliação e Mediação da Comarca de Pelotas, RS (mmcabral@tj.rs.gov.br – conciliacaopelotas.blogspot.com).

Vivemos em uma sociedade que se orgulha de deter um dos mais completos ordenamentos jurídicos no que diz respeito ao estabelecimento de direitos do ser humano, sejam eles direitos individuais, coletivos, econômicos, sociais ou culturais.
Exatamente em razão dessa natureza abrangente e protetiva, a Constituição Federal do Brasil é reconhecida universalmente como uma das cartas de direitos mais completas do mundo relativamente à garantia de direitos à humanidade.
Como se não bastasse, nosso Poder Legislativo emite a todo o tempo diplomas prevendo novos direitos.
Ao lado dessa profusão de normas legais estatuindo uma diversidade fantástica de direitos, fazendo com que vivamos em uma verdadeira “era dos direitos” ou “sociedade dos direitos”, desenvolve-se uma consciência coletiva de que cada um de nós e todos nós a um só tempo somos titulares dos mais variados direitos.
Exigimos os direitos a um trânsito seguro, a um meio ambiente equilibrado, a uma cidade aprazível ao mesmo tempo em que desrespeitamos a preferência de pedestres, deixamos de separar os resíduos de nossas residências e abandonamos os cuidados até mesmo das calçadas e dos jardins de nossas casas.
Este constitui um dos mais importantes e devastadores paradoxos da sociedade brasileira: vangloria-se de seus direitos e exige cumpridamente sua garantia, ao mesmo tempo em que não reconhece e não observa seus mais comezinhos deveres.
Quando falo a jovens estudantes sobre as questões relacionadas aos direitos e à justiça, costumo relacionar a vida dos seres humanos com a vida dos direitos: digo a eles que os deveres são tão fundamentais aos direitos quanto o oxigênio à vida humana.
Da mesma forma que a vida humana não se desenvolve sem oxigênio, os direitos não se sustentam sem a observância dos deveres.
Digo-lhes igualmente, que a cada direito corresponde uma série de deveres: voltando ao exemplo que apontei ao início, a realização do direito a um trânsito seguro depende de que motoristas e pedestres observem as normas de circulação; o direito ao meio ambiente equilibrado depende do cumprimento dos deveres de preservação e de não degradação por particulares, empresas e poder público; o direito a uma cidade aprazível carece, igualmente, do cumprimento de obrigações comunitárias (educar, preservar, respeitar, não poluir) e do Estado (construir, organizar, regulamentar, fiscalizar, etc.).
Então, os direitos não vivem sem que se realizem os deveres que os sustentam.
Em outras palavras, quando se observa a “crise dos direitos” em uma sociedade, deve-se ter em conta que esse sintoma ou essa doença tem uma causa muito bem definida: a desvalorização dos deveres.
É preciso que se assente, a esta altura, que não se está a criticar ou menosprezar a importância de que uma sociedade tenha seus direitos bem definidos e protegidos.
O que se está a denunciar é a doença de que pode padecer uma sociedade que não reconhece e não confere igual ou maior importância a seus deveres.
Se nossos direitos estão doentes ou sem vida é porque não nos desincumbimos de sua nutrição: não cultivamos e não observamos nossos deveres fundamentais.
Deveres fundamentais: um resgate impositivo!