Marcelo Malizia Cabral, Juiz de Direito Coordenador da Central de Conciliação e Mediação da Comarca de Pelotas, RS (mmcabral@tj.rs.gov.br – conciliacaopelotas.blogspot.com).
Vivemos
em uma sociedade que se orgulha de deter um dos mais completos ordenamentos
jurídicos no que diz respeito ao estabelecimento de direitos do ser humano,
sejam eles direitos individuais, coletivos, econômicos, sociais ou culturais.
Exatamente
em razão dessa natureza abrangente e protetiva, a Constituição Federal do
Brasil é reconhecida universalmente como uma das cartas de direitos mais
completas do mundo relativamente à garantia de direitos à humanidade.
Como
se não bastasse, nosso Poder Legislativo emite a todo o tempo diplomas prevendo
novos direitos.
Ao
lado dessa profusão de normas legais estatuindo uma diversidade fantástica de
direitos, fazendo com que vivamos em uma verdadeira “era dos direitos” ou “sociedade
dos direitos”, desenvolve-se uma consciência coletiva de que cada um de nós e
todos nós a um só tempo somos titulares dos mais variados direitos.
Exigimos
os direitos a um trânsito seguro, a um meio ambiente equilibrado, a uma cidade
aprazível ao mesmo tempo em que desrespeitamos a preferência de pedestres,
deixamos de separar os resíduos de nossas residências e abandonamos os cuidados
até mesmo das calçadas e dos jardins de nossas casas.
Este
constitui um dos mais importantes e devastadores paradoxos da sociedade
brasileira: vangloria-se de seus direitos e exige cumpridamente sua garantia,
ao mesmo tempo em que não reconhece e não observa seus mais comezinhos deveres.
Quando
falo a jovens estudantes sobre as questões relacionadas aos direitos e à
justiça, costumo relacionar a vida dos seres humanos com a vida dos direitos:
digo a eles que os deveres são tão fundamentais aos direitos quanto o oxigênio
à vida humana.
Da
mesma forma que a vida humana não se desenvolve sem oxigênio, os direitos não
se sustentam sem a observância dos deveres.
Digo-lhes
igualmente, que a cada direito corresponde uma série de deveres: voltando ao
exemplo que apontei ao início, a realização do direito a um trânsito seguro depende
de que motoristas e pedestres observem as normas de circulação; o direito ao
meio ambiente equilibrado depende do cumprimento dos deveres de preservação e
de não degradação por particulares, empresas e poder público; o direito a uma
cidade aprazível carece, igualmente, do cumprimento de obrigações comunitárias
(educar, preservar, respeitar, não poluir) e do Estado (construir, organizar,
regulamentar, fiscalizar, etc.).
Então,
os direitos não vivem sem que se realizem os deveres que os sustentam.
Em
outras palavras, quando se observa a “crise dos direitos” em uma sociedade,
deve-se ter em conta que esse sintoma ou essa doença tem uma causa muito bem
definida: a desvalorização dos deveres.
É
preciso que se assente, a esta altura, que não se está a criticar ou menosprezar
a importância de que uma sociedade tenha seus direitos bem definidos e
protegidos.
O
que se está a denunciar é a doença de que pode padecer uma sociedade que não
reconhece e não confere igual ou maior importância a seus deveres.
Se
nossos direitos estão doentes ou sem vida é porque não nos desincumbimos de sua
nutrição: não cultivamos e não observamos nossos deveres fundamentais.
Deveres fundamentais: um resgate
impositivo!