quarta-feira, 23 de setembro de 2015

ARTIGO - Por que a mediação não é terapia? Semelhanças e diferenças de cada processo.

Angelica Maria Ruiz Mello, psicóloga, Ms. Educação e Mediadora Judicial do Cejusc Sta. Cruz.
As diferenças entre o processo de mediação e o processo de psicoterapia é um tema recorrente nas sessões de mediação, auto-supervisão e encontros do grupo de estudos.
Percebo que muitos colegas que atuam em áreas diferentes da psiseguidamente revelam esta preocupação com um receio de estarem adentrando fronteiras não pertencentes ao processo que coordenam.
Quando escutamos os mediandos procurando identificar sentimentos e interesses subjacentes, ao explorar esse tema, isso é terapia ou mediação?
Para responder estas questões, ancorei-me em fundamentos de processos psicoterápicos de base psicanalítica e no modelo de mediação aplicado pelo CNJ. Saliento que não tive a intenção de estabelecer conceitos e conclusões definitivas.
Primeiramente, podemos identificar características bem diferentes quanto a definição de cada processo. A mediação é um processo breve, objetivo, na qual o mediador, como terceiro imparcial, irá auxiliar os mediandos a restabelecer a comunicação e, através desta, buscar uma possibilidade de solução de seu conflito. Já a terapia se aprofunda em assuntos psicológicos e subjetivos, num processo mais longo, tratando de assuntos amplos, focando no passado, presente e futuro e provocando mudanças mais profundas na forma como os sujeitos estruturam a sua personalidade e manifestam seus desejos e emoções.
A mediação ainda inclui aspectos legais que podem influir no andamento do seu processo e na tomada de decisão.
Quanto aos objetivos, novamente encontramos divergências. A mediação busca restabelecer um canal de comunicação entre os envolvidos, com um recorte bem definido do que será tratado nos encontros. Já a terapia busca tratar as dificuldades, os bloqueios e o sistema de crenças trazidos pelos pacientes que revelam conteúdos conscientes e inconscientes, com uma abordagem ampla dos mesmos.
Outra grande diferença seria a forma como os participantes são percebidos. Na terapia o paciente é considerado “portador de comportamentos disfuncionais, insatisfatórios, cujas as causas desconhece e é encorajado a lembrar e examinar eventos de sua infância e do presente, num esforço para descobrir as raízes de sua problemática” (Moscovici, 1985). Os mediandos não são considerados nessa mesma ótica, mas podem ser desconhecedores de sentimentos e percepções limitantes que os impossibilita de avaliar os seus efeitos sobre o conflito e sobre as relações. Neste sentido, o mediador não necessita formular algum diagnóstico dos envolvidos ou de suas dinâmicas para desenvolver seu trabalho.
O mediador não assume responsabilidade na melhoria da saúde mental dos mediandos, apesar de os bons resultados muitas vezes gerarem um processo menos estressante e mais benéfico que outros procedimentos judiciais.
No que tange as emoções, ambos os métodos podem lidar com conflitos graves, com posicionamentos rígidos advindos de defesas primitivas do eu e instinto de preservação, com reações similares de agressão ao outro e ao ambiente, comportamento de evasão e distorções perceptivas. Todo um sistema que visa garantir um equilíbrio interno, mesmo que frágil. Diferente da terapia, na mediação os sentimentos e emoções não constituem seu enfoque principal. Ela busca identificar, esclarecer e considerar as emoções com o único objetivo de dar continuidade ao processo, contudo sem aprofundá-las. Inclusive, respeita formas diferentes dos mediandos expor seus sentimentos, sem grandes provocações.
Apesar das diferenças descritas aqui, combinar ambos os métodos pode ser complementar e útil em algumas situações. Por exemplo, a compreensão sobre a psicodinâmica dos conflitos, mecanismos de defesa e ciclos de vida são de grande auxilio para compreender a base psicológica do conflito, para legitimar os sentimentos expressos e auxiliar no desenvolvimento de uma postura propositiva. Assim como, um caráter mais organizador do conflito, formas de contratar o trabalho e estabelecer uma boa comunicação pode auxiliar no andamento de uma terapia, principalmente de grupos e família. Na verdade, em parte, ambas “bebem” das mesmas fontes teóricas.
Ao falarmos das diferenças na área de família, percebe-se que a mediação busca identificar as reais necessidades do casal e seus filhos no rearranjo da separação, nas questões de convivência, organização da vida cotidiana, divisão de responsabilidades, sustento e bens. Já a terapia de família busca atuar nas causas do problema ou desentendimento conjugal e pode igualmente tratar dos demais aspectos.
Mesmo com estas diferenças bem definidas, ambos os conceitos se sobrepõem ao tratar dos aspectos sociais e psicológicos das relações interpessoais, na aprendizagem de novas formas de se comunicar e nas mudança de comportamento que geram. Por isso, podemos afirmar que a mediação não é terapia, mas pode ter efeitos terapêuticos.
Concluindo, como muitas áreas de atuação que tem esta característica de situar-se nas intersecções de áreas distintas, poder ampliar conhecimentos em todas elas possibilita o melhor desempenho do mediador que pode contar com um amplo background no seu trabalho.
Segue quadro comparativo de algumas diferenças apontadas:

Psicoterapia
Mediação
1. Participantes
Pacientes conflitados que procuram tratamento para seus problemas disfuncionais ou sofrimento.
Indivíduos que buscam possibilidades de solucionar seu conflito interpessoal.
2. Coordenador
Psicoterapeuta
Mediador
3. Objetivos
Tratar/curar problemas disfuncionais.
Estabelecer um canal de comunicação para poder resolver o conflito interpessoal.
4. Conteúdo tratado
Eventos passados e presentes, “lá e então”, desejos, fantasias, insight, sentimentos, crenças.
Momento atual, aqui-e-agora com pequena exploração de eventos passados, interesses subjacentes, sentimentos e percepções relacionadas ao evento ou situação tratada.
5. Formas de comunicação
Uso do “Por quê, Como”, estabelecendo relações de causa e efeito.
Uso do “O que, Para quê”, enfoque prospectivo.
6. Tema
Mais subjetivo
Mais objetivo
7. Relacionamento entre os participantes
Relação de transferência com o terapeuta permitindo projeções de figuras significativas do passado.
Relação de interdependência entre os participantes, buscando restabelecer a escuta e comunicação respeitosa.
8. Tipo de feedback
Interpretativo, inferido, avaliativo, emocional.
Pouco avaliativo, dirigido para comportamentos presentes, enquadre prospectivo.
9. Duração
Variável conforme linha de trabalho e situação. Geralmente são realizados sessões semanais de 1 hora por um tempo indeterminado.
Limitado, breve. Geralmente, até quatro encontros de mais de 1 hora, contratados no inicio do processo.
10. Características estruturais de personalidade
Pacientes de estrutura neurótica ou portadores de sofrimento psíquico.
Indivíduos em condições para assumir plenamente o processo de forma consciente e responsável.
11. Direcionamento do processo
Estruturado conforme as associações trazidas.
Mais diretivo, de acordo com a linha teórica em mediação.
12. Orientação do tempo
Passado/presente/futuro
Mais presente/futuro
13. Diretrizes
Psicológica/ Social
Social/Jurídica/Psicológica
14. Aspectos emocionais:
Explorados, ampliados e interpretados.
Reconhecidos e assinalados.
15. Família
Processo de maior duração buscando tratar problemas pessoais ou conjugais que refletem na relação familiar. Busca a causa dos problemas e desentendimentos familiares, focalizando no passado, presente e futuro.
Processo breve que trata de problemas concernentes à separação, como, responsabilidades parentais, convivência com os filhos e sustento. Focaliza mais no presente e futuro.
16. Papel dos coordenadores
Terapeuta que pode auxiliar com enfoque nos aspectos inconscientes e conselhos terapêuticos.
Facilitador imparcial e cooperador no restabelecimento de uma boa comunicação e resolução do conflito. Atuação mais ativa.
17. Aprendizagem
Insight profundos de aspectos inconscientes e motivacionais. Mudança de script de vida e manifestação de sintomas.
Insight mais superficial da situação interpessoal tratada. Aprendizagem de novas formas de se comunicar e resolver conflitos.




1. Bibliografia:
FIORELLI, José O. Mediação e Solução de Conflitos: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2008.
MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 1985.
BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo,
André (org). Manual de Mediação Judicial, 5a. Edição. Brasília/DF: CNJ, 2015.
ÁVILA, Eliedite M. Manual de Mediação Familiar: Formação Base. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2004.
Manuais dos cursos de Mediação Civil e de Família do Programa de Formação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMEC. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2011.

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